sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Crítica/ Hua Mulan- Força feminina, poética e sem exageros, mas ainda cambaleante na sétima arte.

Hua Mulan

Força feminina, poética e sem  exageros, mas ainda cambaleante na sétima arte.


 A balada de Mulan, poema chinês do século VII, descreve uma mulher com tantas ocupações  quanto era permitido uma mulher ter em sua dada época; "Junto à porta, Mulan tece"- o eu lírico coloca em Mulan a carga social das mulherres de uma geração, do modo como eram vistas e dessa forma como deveriam seguir a vida: "Ouve-se um suspiro cheio de angústia /Oh, minha filha, quem está em sua mente?/Oh, minha filha, quem está em seu coração?". Atuar como serviçal, se casar, manter a honra que a sociedade quer ver. A beleza do poema está em como essa mulher com destino traçado pelos padrões de seu mundo, ao renunciar alguns destes, sem autopiedade e de forma concisa, atinge uma honra muito mais pura, do que a cega conformidade/descontentamento com sua situação, traduzindo em sua jornada uma profunda reflexão, que se estende muito além do âmbito feminino. "Não há ninguém em minha mente/Não há ninguém em meu coração/ Mas noite passada li sobre a batalha [...] comprarei uma cela e um cavalo e me unirei ao exército no lugar de meu pai." A balada de Mulan  é sobre  uma mullher que em vez de questionar seu lugar desprivilegiado, consegue entender que acima das ocasionais definições de homem e mulher, e discussões sociologicas, o mundo é formado por seres humanos e suas ações. Não é um romance.

Ao tratar da história como um todo, o filme dirigido por  Jingle Ma e Wei Dong, parece ser (e por isso a produção merece todos os créditos) uma transcrição do poema já citado. Todos os elementos estão lá. Da partida á chegada. Apesar de escorregar em clichês, no geral o resultado é satisfatório. O problema não é o que foi adaptado na trama, mais sim o que foi incluído nela.


"Na alvorada ela se despede da família".  A maneira simples com que Mulan (Zhao Wei) sai de sua casa em direção ao campo de batalha ajuda a criar a aura que a personagem necessita para  se manter firme em sua jornada: sem pausas dramáticas, ela troca seu vestido pela armadura, o tear pela espada, e cavalga o "vento negro" que a levará onde  as consequências de suas decisões  se encontram, talvez a morte, talvez a glória sem vanglória, mas sempre em frente. 

Os lados da guerra são bem definidos- a comparação entre lobos e lebres é bastante apropriada- as batalhas são bem executadas, figurinos e cenários  estão impecáveis. Entretanto, um ponto negativo são as transições de cena, repetidas incessantemente ao longo das quase duas horas de duração, mas que não tiram nenhum um pouco do potencial dramático do filme.


O filme tropeça justamente na relação entre Mulan e Wentai (Kun Chen). Apesar de interesses amorosos, se tratados corretamente contribuem com o resultado final, é preciso ter cuidado para que, como no filme, não atrapalhem o crescimento da personagem. Ao tentar ajudar Mulan a ser como um soldado, wentai a manipula, com a mascara do companheiro cuidadoso, que só funciona como pano de fundo para esconder mais um príncipe com o dever de salvar a princesa que não consegue descer da torre sozinha ( e pra isso,o pseudo-autruista é capaz de ignorar até a heróica e comovente morte de seus companheiros, bem em frente aos seus olhos). A necessidade de ser guiada e ajudada por wentai para poder continuar, quebra o espirito de auto-compreensão e persistência que mulan deveria passar ao público. No fim a produção é manchada por um clichê- mesmo que a última cena tente apagar isso.



"Então logo tiro a roupa do guerreiro e silenciosamente ponho meu antigo vestido/Junto à janela penteio meus cabelos/Em frente ao espelho pinto meu rosto/E quando saio para encontrar meus companheiros eles estão perplexos e impressionados ." O resultado da jornada de Mulan não é dizer que homens e mulheres são iguais, mas se eles dividem um mesmo caminho, não  há como diferenciar sua força tão facilmente. "Há sinais para distinguirmos/ Suspenso no ar, o macho chutará e se debaterá, enquanto que as fêmeas ficarão paradas, com os olhos a lacrimejar/ Mas se ambos estão no chão a pular em liberdade singela, quem será tão sábio para dizer se a lebre é ele ou ela?"




Texto por : ~Warrior of Words~



segunda-feira, 28 de julho de 2014

Crítica/ Naúfrago Na Lua- "Sobreviva!" Lee Hae-Joon traz para as telas uma síntese da vida.

Naúfrago Na Lua  ( Castaway on The Moon)

"Sobreviva!" Lee Hae-Joon traz para as telas uma síntese da vida.
























Ao sermos apresentados a figura de Kim Seung-geun (Jung Jae-young) confirmando suas dívidas pelo celular, em meio a uma movimentada ponte da Coréia do sul, tudo parece se mover em suas direções costumeiras, o homem inadimplente para a empresa de cobrança, se torna muito mais inadimplente perante aqueles que passam velozmente em seus carros, sem notar o corpo que cai na água em direção à morte. Bom, pelo menos, assim pensava o homem ao olhar a sua, aparente, última desventura.

Transitando entre o cômico e o trágico, Kim segue sua própria saga em um mundo inabitado, preso no mais improvável dos cenários pós-tentativa de suicídio: uma ilha dentro de um rio próximo á uma grande cidade, fracassando até em sua tentativa de morte, a conclusão de um homem que perdeu tudo que tentou construir na vida (destaque ao flashback bem coreografado), é que se todo o resto foi perdido, então o que resta deve igualmente ser jogado fora; se uma ponte não mata um homem então  "O prédio de 60 andares, esse me mata, com certeza!". 


Nesse ponto o filme atinge uma sensibilidade analítica rara, tal que é preciso atentar-se para entender a totalidade do que a situação representa. Sem ter como chegar ao seu almejado prédio de 60 andares, o protagonista resolve enforcar-se na primeira árvore em seu caminho, entretanto, para o homem que, com sua mente, renunciou a vida, resta ao seu intestino salvá-la. Com uma profundidade filosófica intensa, o roteiro eleva o personagem a um status, mesmo que inconsciente, coerentemente integrado ao seu meio, agora isolado do mundo que outrora lhe foi imputado, chega ao estado de matriz do agir e pensar humanos:  da aparente imundície do homem surge aquilo, que a partir daquele momento irá redefinir seus conceitos e suas ações.



O diferencial da trama fica por conta de Kim Jung-yeon (Jung Ryeo-won), a introdução certeira da personagem, depois de pouco mais de meia-hora de filme, ajuda a fechar as pontas soltas do tema criando um clima coeso para o desenvolvimento do restante do roteiro e dá á produção um brilho especial: interpretando uma mulher que não sai do próprio quarto á anos, e através dos olhos dela classificando o “mundo de fora” como um universo assustador/vazio, porém fascinante/curioso, Jung Ryeo-won personifica o isolamento emocional/físico da modernidade, mostrando a ilusão com que se vive atualmente: fazer algo inútil para poder fingir que se teve “um dia cheio”, fingir ser o que não se é pra se sentir algo. Mas ao olhar através de seu telescópio para a lua, em um momento que deveria estar sozinha com a imensidão do universo a sua frente, as ações de um alienígena louco provocam uma dinâmica, no mínimo, agradável (com poder de provocar reações inesperadas, que passam um ar de estranheza aos que estão por fora da relação bilateral ali existente), e um sutil romance á moda antiga.

Agarrando-se em suas respectivas esperanças recém-encontradas, os dois, “náufrago e astronauta”, remam para um desfecho, que pode até parecer obvio aos mais observadores, mas que não deixa  nada a desejar em sua conclusão. Sobrevivência, romance, esperança e sofrimento. Lee conseguiu um feito e tanto com seu filme, fazer uma síntese da vida, em tempos que ninguém parece se lembrar o que tal palavra significa. “Sobreviva!”.



Texto por : ~Warrior of words~